... É fato corrente. Basta um
olhar um pouco mais apurado para notar: as virtudes e qualidades mais
ostensivamente expostas são os disfarces (espontâneos, inconscientes,
automáticos) para os vícios e os defeitos que justamente lhes correspondem. A
generosidade, por exemplo. Quando manifestada de maneira ruidosa, não passa de
uma máscara construída para dissimular o mais arraigado dos egoísmos.
Envergonhado, criticado em função de seu vício, o indivíduo egoísta arma-se de
boas ações, adota um discurso entusiasta da pureza e da benevolência e exibe-os
como pode. E nessa ostentação os pavões da bondade traem-se e deixam entrever
aquilo precisamente que cuidaram para esconder. O movimento contrário também
não é incomum: o egoísmo, que por muitos é tomado por virtude, é, em muitos
casos, a roupagem exibicionista usada por uma inocência que não se aceita. O
inocente, provocado e diminuído, sente a necessidade de encobrir esse traço
visível da sua personalidade e esmera-se em atitudes que expressam, de maneira
gritante, uma preocupação exclusiva consigo mesmo e um desprezo forçado pelos
outros. Assume, contra sua “natureza”, uma malícia que não é dele, artificial.
A autoconfiança, do mesmo modo, se anunciada aos quatro ventos, certamente
corresponde à camuflagem de uma insegurança orgulhosa. O inseguro cioso de sua
própria dignidade disfarça seu humilhante defeito empertigando-se em uma
postura altiva, em um comportamento soberbo. Não se passa outra coisa com a
extroversão exagerada. Quase sempre ela
vela uma timidez sofrida. Cansado das limitações que a vida lhe impõe, o tímido
traveste sua falha de conduta com uma expansividade simulada, compondo gestos
vistosos que não visam outra coisa se não ocultar seu constante embaraço. “Dentro de cada Elke Maravilha existe um
tímido tentando se esconder”, já observara Luis Fernando Veríssimo. A
aflição do acanhamento conduz, assim, a um arremedo de desinibição. Os casos e
exemplos são inumeráveis e devem nos pôr de sobreaviso. Que não nos enganemos:
o alardear de uma virtude, uma qualidade, ou, quem sabe até, de um estado
emocional (a felicidade, por exemplo), é o atestado inconfundível da sua
ausência e da sua adoção postiça. É provável até, que aquele que real e
naturalmente possua uma virtude jamais a ostente; acredita-se, ao contrário,
corrompido pelo vício oposto, como o generoso, que faz muito pelos outros, mas
que, através das lentes da generosidade, vê esse
muito como pouco, tomando-se por o mais sórdidos dos egoístas. O indivíduo
nunca é transparente; opaco, ele requer que identifiquemos seus disfarces.